quinta-feira, 31 de maio de 2012

E carrego esse céu escuro. E esse cemitério de felicidades. E poros que sangram em silêncio. Tudo isso faz de mim um peso de papel. E meus pensamentos não voam mais descompromissados e jovens e coloridos e destacáveis. Eles se unem para, num bloco só, sentir sua falta. Que é algo imenso demais pra se sentir sem estar toda. E por isso, por eu ser agora um peso de papel de mim, as pessoas me velam tristes como se eu estivesse ligada a um soro ou como se eu estivesse acenando a eles, de longe, de um lugar devastado por alguma guerra ou vírus. Como se, de dentro de um planeta que sofreu irradiação, eu acenasse protegida por vidros antes de virar pó químico. Elas me olham como se eu fosse um peixe envenenado num aquário abandonado.                                                                               Ninguém me olha, na verdade, mas fantasio tudo isso e é de fato muito arrogante ter um peito apaixonado. Pra que o peso do peito apaixonado não nos faça caminhar de ponta cabeça, empinamos com toda a força o coração. Como se fossemos muito diferentes e especiais por estar assim. O estado interessante. A gravidez do peito. O peito com alguém dentro.
Não se sinta mal por eu ficar doze horas do meu dia olhando um ponto invisível na parede. Ou por eu gemer de leve quando chega a hora de eu acordar. Ou pela dor nos meus ombros sempre me avisarem que será mais uma luta pra não ouvir a sua voz, a mais bonita voz que se tem notícias pelos ares do mundo. Ou por eu segurar os instantes quando afundo na água, em segundos dramáticos de desistência. Ou por eu ter sempre moleiras de lágrimas iluminando meus olhos. Eu gosto disso. Eu gosto de caminhar soberba e dura e pesada e arrastada e arranhada e retesada e ensanguentada pelas ruas. Eu gosto de ser um escombro perambulando entre todos que não estão apaixonados por você e, só por isso, são inferiores a mim. E de ver o vazio, o normal, o médio, as pessoas, e me sentir mais alta. Ou baixa. Mas sempre de outro lugar.
Eu gosto do coração barrigudo e disso me fazer imensa e cheia de você. Implodida de você e sentindo as dores e as fumaças de andares que desabam quando você diz que agora só amanhã ou depois de amanhã ou nunca.
Pode até ser que outra pessoa te tenha agora andando pela casa e dormindo na cama e pegando uma água na geladeira. Mas eu tenho você no meu fígado e rins e veias e artérias e sonhos e líquidos e células..
Bernardi.